Cyrano Mon Amour | Crítica

Crítica

Cyrano Mon Amour é um filme que repete o já desgastado, mas bem aceito pensamento sobre a ideia de inspiração e genialidade – ou a falta de – nas artes. Escrito e dirigido por Alexis Michalik, que iniciou sua carreira como ator de teatro, o filme consegue expor de forma razoável, mas por vezes cansativa do ponto de vista da narrativa, a dinâmica da escrita de uma peça de teatro e os seus bastidores. Ao imaginar como o autor em crise, Edmond Rostand (Thomas Solivéres) escreve um dos romances de referência da literatura francesa, Michalik volta o seu olhar para o criador e o seu processo de criação, como bem aponta o título original do filme – Edmund.

Uma autêntica comédia de erros ambientada no século XIX é o que faz Cyrano Mon Amour passear pelo caos criativo – que os espectadores sabem bem onde vai dar – de uma obra que se tornou um clássico. As páginas quase sempre vazias de Edmond, acompanham um jovem ansioso e extremamente romântico que prefere trocar a prosa pela poesia e é profundamente julgado por isso. Com personagens caricatos e que aceleram a narrativa em suas respostas agudas, decoradas à maneira minuciosa do teatro, o ator famoso Constant Coquelin (Olivier Gourmet) declara, sobre a obra desesperadamente heroica oferecida a ele: a peça está ótima, só falta escrever!

A trama de um homem feio e de bom coração – o grande nariz de Cyrano – pode não parecer uma grande novidade para os espectadores contemporâneos, porém, sua história aparentemente inocente, pode gerar reflexões mais intensas sobre o comportamento humano. Dessa forma, não posso deixar de destacar que, grande parte do elenco feminino estabelece uma relação relevante com a história do escritor, afinal, todas nomeadas se fazem presentes em uma trajetória que permite Edmond ser o que é, ou neste recorte, almejar ser alguma coisa.

Lucie Boujenah (Jeanne) é sua musa inspiradora. Uma mulher que trabalha como uma espécie de camareira de artistas, suas falas recitam poemas e rimas o tempo todo. O talento de Edmond, desprezado pela grande maioria, é admirado por essa jovem romântica que se abstém da beleza exterior ao sobrevalorizar aquilo que seu amado pode fazer com as palavras. Já Alice de Lencquesaing (Rosemonde Gérard), a esposa de Edmond, erige-se sob um semblante sempre paciente, seu apoio ao marido parece ir além da necessidade em trazer o dinheiro para casa, as tarefas domésticas e educativas dos filhos são, nada surpreendente, relegadas a ela e executadas enquanto Edmond se fecha em sua sala rodeado de papéis amassados que, pelo visto, não deram muito certo.

Mathilde Seigner (Maria Legault) e Clémentine Célarié (Sarah Bernhardt) são atrizes experientes que, de alguma maneira, fazem com que as peças de Edmond ganhem vida. Sarah abre o filme com uma declamação estrambólica de A Princesa Longínqua – peça inspirada na Idade Média e que conta a história de amor entre um trovador e uma princesa. A atuação de Sarah é, na verdade, uma das melhores em ser detestavelmente espirituosa. Já Maria, é um dos motivos pelo qual a peça final acontecerá – seu caso amoroso com os dois financiadores detestáveis, garantem a encenação do texto. Sarah é exigida por esses homens, afinal, o seu papel deveria ser dirigido a uma garota mais jovem, algo que se concretiza devido ao acidente que sofre no alçapão do palco. Jeanne é então desempenhada para tomar o lugar de Maria, que bate a cabeça e acaba alienada – de mulher histérica e exigente ela passa a amansada – acidente que prevê uma forma de controlá-la.

Cyrano Mon Amour pode não delegar ao roteiro o seu maior destaque, narrar pelas imagens está muito abaixo do que lhe confere os diálogos afiados. Apesar disso, as farsas textuais me parecem extraordinariamente congruentes a estética do filme: figurinos, penteados e maquiagens são visualmente deslumbrantes, o que é feito para ser visto de longe no teatro é utilizado para nós aproximar da ousadia de um tempo. O companheiro mais apessoado de Edmond, o ator Léo Volny (Tom Leeb), é também agradável aos olhos na mesma medida em que é maçante aos ouvidos, pelo menos é o que posteriormente pensará Jeanne e o que, de certo, acredita o seu amigo escritor.

Das cenas mais divertidas tomamos o exagero de cada componente do trio amoroso e destacamos o que ali existe de melhor. No ímpeto de beijar a moça, Léo acredita que as cartas escritas pelo amigo já foram suficientes, mas Edmond em sua fantasia de amor prova que não. É quando os diálogos em poesia e apaixonadamente cômicos surgem na varanda de um edifício – Jeanne e Edmond conversam como se fossem Jeanne e Léo – a agilidade criativa do escritor é finalmente despertada e as páginas em branco transformam-se em um cabeça repleta de palavras.

Mesmo que a maior parte das cenas estejam ligadas a um teor mais cômico, uma das sequências mais notáveis é a do Café Honoré, mas não exatamente as inúmeras vezes que o jovem autor aparece no local para trabalhar, e sim a figura de seu proprietário – Monsier Honoré (Jean-Michel Martial). Sua primeira aparição acontece com a contestação de um visitante – “como pode um negro falar” – e a resposta, ainda que bem-humorada, resgata vestígios de um preconceito profundo: o velho visitante é colocado para fora, seu corpo atirado na rua recebe o desdém de todos que estão ali. Aqui, a comédia conquista a sua condição autêntica de falar e, principalmente, nos provocar sobre situações das quais somos responsáveis.

Após um frenesi criativo, Edmond enfrenta, sem grandes batalhas e quase sempre engolindo a seco suas críticas, a escrita simultânea à montagem de Cyrano de Bergerac. Ao abrir mão de sua musa, o escritor afirma que a sua graça é justamente não poder tê-la, algo tão exageradamente romântico, que beira o risível, mas compreensível ao homem que elege os já ultrapassados ideais do romantismo para a sua época. Nesse sentido, o ânimo do filme encontra-se na descrição de um processo conturbado, mas não perturbado da criação, a genialidade está não mais na inspiração apreciada por meio de uma mulher inalcançável – é mais interessante repararmos nas circunstâncias: o amor proibido, as dificuldades financeiras, os prazos apertados, as derrotas e as inúmeras condições impostas por terceiros. Este é o verdadeiro cenário: o pensamento humano, muitas vezes irracional, desalinhado e que encontra no caos um motivo para existir. 

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